segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Currículo na Educação Infantil.




Currículo e educação Infantil
Em geral, currículo é entendido como a prescrição de uma grade curricular: que áreas do conhecimento serão trabalhadas? Quais os conteúdos de cada área? Em que ano ou série? Essa é uma concepção tecnicista de currículo. Por trás há a ideia de  que em cada etapa da escolarização é preciso aprender determinados conteúdos, que são pré-requisitos para aprender outros conteúdos em uma sequência linear. Concepção, ainda muito marcante no modo de organizar as experiências vividas nas instituições escolares e que vem influenciando também as práticas oferecidas às crianças pequenas na educação infantil.
Currículo é o modo de organizar as práticas educativas, refere-se aos espaços, a rotina, aos materiais que disponibilizamos para as crianças, as experiências com as linguagens verbais e não verbais que lhes serão proporcionadas, o modo como vamos recebê-la, nos despedir delas, trocá-las, alimentá-las durante seu Período na instituição.
O modo como oferecemos todas essas práticas  tem por trás um conjunto de concepções e idéias sobre a finalidade da educação, a maneira como os sujeitos aprendem, o que se deseja que eles aprendam, que tipo de homem queremos formar e para qual tipo de sociedade. Por isso, trata-se de uma prática complexa, com diversas perspectivas e pontos de vista. Ele é vivido permanentemente pelos sujeitos em seu processo de educação, através das condições e contextos concretos. Por serem sujeitos, as crianças atribuem sentido ao que nós a oferecemos: se manifestam o tempo todo: seja se submetendo, se envolvendo, resistindo, aceitando as propostas, recusando. Nesse sentido, devemos apurar o nosso olhar: como as crianças tem recebido nossas propostas? Como tem se manifestado? As vezes, por exemplo, preparamos uma propostas que achamos que vai ser empolgante, interessante e as crianças não se manifestam como gostaríamos, o que gera em nós uma frustração, ou o contrário, um experiência que parece pequena, pode gerar um grande interesse. 
Tomaz Tadeu da Silva, uma das referencias nas reflexões sobre currículo afirma:
-       [...] Qual nossa aposta, qual é o nosso lado, nesse jogo? O que vamos produzir no currículo entendido como prática cultural? Os significados e sentidos , as representações que os grupos dominantes fazem de si e dos outros, as identidades hegemônicas? Vamos fazer do currículo um campo fechado, impermeável à produção de significados e de identidades alternativas? Será nosso papel o de conter a produtividade das práticas de significação que formam o currículo? Ou vamos fazer do currículo um campo aberto que ele é, um campo de disseminação de sentido, um campo de polissemia, de produção de identidades voltados para o questionamento e a crítica? Evidentemente, a resposta é uma decisão moral, ética, política de cada um/uma de nós. Temos de saber, entretanto, que o resultado do jogo depende da decisão de tomarmos partido. O currículo é, sempre e desde já, um empreendimento ético, um empreendimento político. Não há como evitá-lo.(SILVA, 2001, p. 29)
Se currículo é sempre um empreendimento ético e político, por que fazemos o que fazemos? O que nos move? Com quem nos comprometemos?
Os clássicos da Pedagogia, especialmente Montessori, Freinet, Pestalozzi e Dewey iniciaram a ideia da educação infantil. Tinham como pressuposto a criança ativa, a observação e o respeito as manifestações infantis, a ideia de que o espaço é educativo. Mas parece que a pedagogia da infância foi se afastando desses referenciais. Nos cursos de pedagogia pouco tem sido tratados. Eles são referencias teóricas e práticas importantes, referências de sujeitos que acreditavam e se comprometeram imensamente com a infância. Seus princípios precisam ser retomados quando organizamos o currículo para a infância.

 Tensões curriculares na educação infantil
Lenira Haddad em seu artigo: “Tensões Curriculares na Educação Infantil”  aponta duas grandes perspectivas adotadas pelos diferentes países que compõe a OECD (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) para a Educação Infantil: currículo prescrito X currículo holístico.
Na perspectiva prescritiva, o principal objetivo da Educação Infantil é a preparação para a escola. A referência é o ensino fundamental. É como se ser professora é adotar os mesmos procedimentos do referencial de escola que temos historicamente: dar lição, ensinar letras e números, garantir a ordem. Tem-se uma abordagem mais acadêmica, mais centrada no professor. A aprendizagem sequencial e linear é uma característica desse tipo de currículo.
Essa concepção prescritiva burocratiza as relações e desconsidera o fato de que a criança pequena aprende experimentando, investigando, brincando, na interação com os adultos – educadores e famílias – e com outras crianças. Muitas vezes é uma prática de ausência de sentido para as crianças e para os educadores que precisam controlá-las com freqüência.
Já o currículo holístico tem como pressuposto que a aprendizagem se dá ao longo da vida e que o currículo deve apoiar o desenvolvimento e os interesses das crianças. As brincadeiras, as interações e os projetos realizados através da escuta atenta e da consideração das manifestações infantis são os pilares desse currículo. Entende-se que a criança é um todo, é corpo, mente, emoção, criatividade, história e identidade social. As áreas do conhecimento não são excluídas, mas o currículo é aberto e global, trabalha-se a partir de um amplo projeto que abarca múltiplas experiências com as diferentes linguagens (verbais e não verbais). Os projetos envolvem três pilares: linguagem, negociação e comunicação e tem como eixo a investigação e a construção de hipóteses.
 O trabalho cooperativo é um forte princípio do currículo holístico. Acredita-se que as crianças aprendem a gostar de trabalhar juntas e partilhar idéias. Encoraja-se as iniciativas e as produções de significados das crianças, acreditando que isso apóia também o desenvolvimento cognitivo delas. Além disso, entende-se que os pais são parceiros privilegiados dos profissionais das instituições educativas, uma vez que a educação e o cuidado das crianças pequenas deve ser compartilhada entre os adultos que são suas referências.
As crianças tem hipóteses sobre as coisas do mundo, pensam, criam, discutem e atribuem sentido a elas. Mas nem sempre são ouvidas. A chamada “atividade pedagógica” é muitas vezes considerada mais importante do que essas relações. E a escuta e o diálogo são passos fundamentais para a construção de um currículo para e com a infância. 
As instituições de educação infantil são  espaços que podem potencializar a ação infantil e valorizar a criança, que ainda é desvalorizada socialmente - e por conseqüência os trabalhadores que atuam diretamente com ela. Precisamos mostrar a sociedade a potência que é a criança.

Um currículo para e com a infância
Nos documentos oficias do Ministério da Educação, entre eles as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil de 2009 – DCNs e o documento Práticas Cotidianas na Educação Infantil: Bases para a reflexão sobre as orientações curriculares, muitos princípios da do currículo holístico (integral) aparecem. Nas DCNs está posto que o currículo é:
“um conjunto de práticas que buscam articular os saberes e experiências das crianças com o patrimônio cultural, artístico,  ambiental,  cientifico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral da criança”.
Ou seja, currículo não é aquele que se define a priori, mas aquele que é vivenciado com as crianças a partir de seus saberes, manifestações, articulado com aquilo que consideramos importante que elas conhecem do patrimônio da humanidade.
O currículo é vivo, é ação, é prática que se manifesta no cotidiano das nossas ações com as crianças e que articulam com quem elas são, o que pensam, o que sabem, com aquilo que desejamos que elas aprendam.
O currículo na Educação Infantil é marcado por linguagens. As crianças nascem imersas em um mundo com diferentes linguagens e práticas sociais utilizadas para as pessoas se expressarem, se comunicarem entre si e se organizarem socialmente. Na tentativa de entender o mundo que as rodeia, as crianças também se utilizam dessas linguagens, observando, agindo, pensando e interpretando o mundo por meio delas.
Linguagem são as diferentes manifestações e práticas humanas: culturais, científicas, da vida cotidiana. A oralidade e a escrita são linguagens, assim como os desenhos, os movimentos corporais, as expressões faciais, a dança, a música. Todas são imersas em significação, expressão e comunicação, embora não sejam valorizadas por todas as culturas da mesma forma.
A Educação Infantil, juntamente com a família, introduz as crianças as práticas sociais humanas, de uma comunidade, de um país. Essas práticas culturais devem fazer parte do currículo das crianças desde pequena: como as crianças são postas para dormir, como os bebês e crianças são banhados, do que e como se alimentam,  como acontece o desfralde, como são recebidas na instituição, que brincadeiras brincamos com elas, que histórias lemos, que musicas são cantadas, como os aniversários são comemorados, como as danças são dançadas, quais as palavras escritas, que descobertas científicas são realizadas.
Um aspecto não é mais importante do que o outro. Na educação Infantil, cuidar e educar são indissociáveis e significam: a garantia da proteção, bem estar e segurança das crianças; a atenção às suas necessidades físicas, afetivas, sociais, cognitivas; e o planejamento de espaços que estimulem sua imaginação e agucem sua curiosidade.
Assim, contar histórias não é mais importante do que banhar os bebês, alimentar as crianças não é menos do que viver um projeto e assim por diante, pois todas essas ações são práticas sociais que as crianças vão vivenciando e que fazem parte do currículo nessa etapa do desenvolvimento. Por isso, todas precisam ser olhadas, reavaliadas, planejadas.
Para terminar essa reflexão, deixo a vocês um poema de Aldo Fortunati que sintetiza a idéia de criança em um currículo que a considera como ser integral e integrado:

Por uma idéia de criança


Por uma ideia de criança rica,
na encruzilhada do possível,
que está presente
e que transforma o presente em futuro.

Por uma ideia de criança ativa,
guiada,na experiência,
por uma extraordinária espécie de curiosidade
que se veste de desejo e de prazer.

Por uma ideia de criança forte,
que rejeita que sua identidade seja
confundida com a do adulto, mas que a oferece
a ele nas brincadeiras de cooperação.

Por uma ideia de criança sociável,
capaz de se encontrar e se confrontar
com outras crianças
para construir novos pontos de vista e conhecimentos.

Por uma ideia de criança competente,
artesã da própria experiência
e do próprio saber
perto e com o adulto.

Por uma ideia de criança curiosa,
que aprende a conhecer e a entender
não porque renuncie, mas porque nunca deixa
de se abrir ao senso do espanto e da maravilha.

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